O que aprendi usando por dois anos um carro elétrico no Brasil!

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Por Eduardo Pellanda

Quando Henry Ford conseguiu produzir em massa carros com motor à combustão, mudou não só as cidades mas também toda a cadeia de disputa por combustíveis fósseis além de inaugurar uma indústria de montadoras e de auto-peças. Trata-se de um produto que impacta não só a economia local como em conflitos globais. Paralelamente o carro foi vendido como símbolo de status, liberdade e de mobilidade.
Mas nos anos 2000 veio a crise de 2008 com as gigantes americanas chegando perto da falência, vieram o Uber e assemelhados que mostraram que talvez não seja interessante possuir carro e a cultura nas novas gerações foi mudando. Estamos vivendo também claramente os impactos do aquecimento global e dos conflitos derivados do mercado do petróleo.
Em 2014 eu vi o filme “Revange of the Eletric Car” e o que era um desejo se tornou um objetivo para mim: quero ter uma carro elétrico nos próximos anos! Eu estava fazendo o meu segundo Pos Doc, no MIT, e tudo o que eu via nos laboratórios e nas ruas parecia me deixar convicto de que a mudança de matriz energética tinha que ser urgente. Voltando ao Brasil vi que a Toyota tinha lançado o Prius, um carro híbrido. Como não existia nenhum nas ruas não sabia se o valor da revenda iria ser interessante, mas a Toyota é uma marca de prestígio e o carro foi um ícone da revolução verde nos EUA. A foto dos fundadores do Google com um Prius talvez tenha deixado a reputação deste carro muito alta na época pré-Tesla. Resolvi arriscar e investir para testar. Foi o começo da paixão. Em baixas velocidades o Prius usa o motor elétrico fazendo suavemente a transição para o de combustão ao aceleremos mais forte. Com isso, conseguia perto de 18km/l na cidade ou a metade do consumo de um carro similar somente à gasolina. Se todos tivessem híbridos já seria uma grande economia de combustível e consideravelmente menos poluição. Existem vários tipos de híbridos, mas dois são mais comuns: o tipo do Prius vendido no Brasil, com uma bateria que é carregada pela frenagem do carro e pelo próprio motor, quando está ligado, ou os híbridos Plug-in, que tem baterias maiores e podem também ser carregados na tomada.
Em 2015 a BMW foi a primeira montadora a comercializar um veiculo elétrico no Brasil, o i3. Ele chegou por um preço salgado e em poucas unidades. A série i foi uma nova aposta da BMW para conquistar um público que não compraria normalmente veículos da marca, como eu, por exemplo. Com a montagem de veículos ecológicos desde a fábrica até o material usado do veículo, foi desenvolvida uma fibra de carbono que se unia a componentes de alumínio para criar um carro muito leve, o que levou à necessidade de menos baterias.
Fiquei fascinado pelo i3, mas o preço era inviável. Mesmo assim, fiquei monitorando as vendas e possíveis ofertas. No meio de 2016, vários carros trazidos pela BMW ainda não tinham sido vendidos e a marca resolveu fazer um preço especial com um dólar já muito defasado. Procurei a revenda de Porto Alegre e eles não sabiam nem como comercializar o carro. O grupo IESA estava recém assumindo a marca para o RS e tinha ficado de fora das revendas que podiam comercializar e fazer a manutenção. Mesmo assim, um vendedor tão insistente quanto eu resolveu montar uma operação de venda pela revenda de Joinville e a manutenção seria feita por eles também. Tive que assinar um documento da BMW Brasil dizendo que me responsabilizava por isso. Era um risco bem maior do que o do Prius…. Mas, vi que no Rio Grande do Sul algum visionário, que ainda não sei quem foi, aprovou a isenção de IPVA, o que compensaria um pouco o alto custo e o risco. Além disso, não teria a gasolina, pois a eletricidade seria bem menos do que eu gastaria com gasolina. Li muito sobre o carro e vi milhares de vídeos no Youtube. Um especialista falou que era uma das maiores revoluções em materiais desde o Ford T. Minha inquietação de early adotper falou mais alto e eu e a minha mulher nos atiramos. Fomos os primeiros no RS a ter um carro elétrico oficialmente, pois tinha um outro i3 em Porto Alegre mas trazido de “fora”.
O i3, na época, tinha uma autonomia de 150km, mas para o Brasil veio uma versão com um gerador, que era basicamente um motor de moto colocado embaixo do porta-malas. Este motor poderia dar mais 150km de autonomia e para isso precisava gasolina. A ideia da BMW era dar segurança para grandes percursos, mas não precisava ser usado. Na Europa e EUA tinha a versão sem o range extender e na versão 2020 teremos aqui no Brasil também. Bom, isso me dava segurança de não ficar na rua porque ainda não temos muitos postos públicos de recarga. Resido em um edifício e colocar uma instalação não era muito fácil. O i3 vem com um carregador pequeno que demora umas 18hs para carregar 100% da bateria quando ligado a uma tomada de 220v. Há uma opção de carregamento de 8hs, mas o custo do aparelho é grande. Chamei um eletricista e fiz uma instalação adequada de 220v em uma tomada perto da minha garagem. Combinei com o síndico que eu depositaria para o condomínio o equivalente ao que eu consumiria. Deu super certo. Por dois anos fui fazendo mensalmente o cálculo e fazendo os depósitos. Eu andava em média 500km por mês e gastava 50 reais para isso. O carro era um dos mais eficientes já fabricados na história. Como nunca chegava em casa com a bateria zerada, o período da noite era suficiente para carregar toda ela.
Além da economia de combustível e do silêncio absoluto, que também contribui para uma diminuição da poluição sonora nas cidades, o carro elétrico é muito melhor de dirigir. Em um carro térmico ou à gasolina/álcool, a explosão faz os pistões se mexerem na direção diferente dos eixos da roda. Esta e outras várias engrenagens, fazem com o que torque do motor tradicional leve um tempo para começar a ter potência, mesmo em veículos esportivos. O motor elétrico é uma bobina que gira no mesmo sentido do eixo e quando se pisa no acelerador a potência é sentida no mesmo instante. Tanto para sair do zero como em retomadas o carro é absurdamente ágil. Aliás, esta questão das engrenagens e outros componentes também fazem o carro elétrico ser mais ecológico, pois possui muito menos peças do que um veiculo normal. Ele é mais simples, o que facilita também a manutenção. Não existe troca de óleos (só dos freios) ou peças de embreagem e filtros.
Outra questão interessante é que o carro vem conectado na rede 3G e pode ser monitorado remotamente. É possível ligar o ar-condicionado antes de chegar, se pode abrir ou fechar as portas ou conferir como anda o carregamento da bateria. O carro vira um objeto conectado em um contexto de IoT.
Ok, agora os problemas. Embora eu tivesse assinado o papel da BMW que eu faria manutenção fora, eles me falaram que quando vendessem 4 carros teria sentido fazer manutenção aqui em Porto Alegre. Bom, venderam até um i8 (irmão mais velho hibrido plug-in do i3 que custa mais de 4x o preço do caçula) e nada. No primeiro ano paguei o transporte para Joinville e foi tudo ótimo, a revenda lá foi super atenciosa e voltou no tempo combinado. Na segunda revisão (não é por tempo nem Km, o carro avisa quando precisa de alguma visita à oficina) chorei para a BMW e depois de algum tempo resolveram me pagar o transporte. Melhor se não tivessem… o transporte deles era de pior qualidade do que o que eu contratei na primeira revisão. Chegando lá o carro estava arranhado do lado e com o espelho quebrado. A BMW assumiu depois de algum tempo, mas o serviço demorou quase um mês. Na volta estava chegando perto dos dois anos e a garantia estava acabando. Sim, ridículos 2 anos. A bateria, que é a peça mais cara, tem 8 anos. Mas o risco de manter um carro destes tem um limite para quem é assalariado. Como a BMW parou de importar naquele período, mesmo perdendo um pouco de dinheiro, voltamos para o Prius, na sua versão mais nova.
Tivemos o melhor carro do mundo — em alguns sentidos ele é mais evoluído que um Tesla — mas a mudança que ele significava ainda estava longe do Brasil. Me parece um pouco como as máquinas de escrever que davam dinheiro para a Olivetti ou a para Remington e por isso eles não se interessavam em trocar de negócio. Aí veio Apple, IBM e Microsoft… Agora, o símbolo da revolução dos carros elétricos vem também do Vale do Silício, o Tesla. A empresa fabricante nasceu do zero e está mostrando que o carro elétrico pode ser melhor em todos os aspectos. As montadoras tradicionais começaram tarde a se mexer, assim como o Brasil… No Reino Unido já temos mais tomadas nas ruas do que postos de gasolina e em países como a Noruega já se vende mais os carros elétricos do que os tradicionais.
Claro, nada vale ter carros elétricos se a origem da energia vier de usinas de carvão. O ideal é que cada um possa gerar a sua própria energia em casa, como um colega de São Paulo que usa 100% de energia solar.
Não queria ter uma BMW, queria um carro elétrico! No momento, começamos a ter opções que chamam menos atenção nas ruas e são alternativas interessantes. Renault e Nissan já estão com puros elétricos no Brasil e a GM promete o Bolt para este ano ainda. Tem a chegada do chineses também que estão com um preço muito competitivo e produtos interessantes.
Enfim, me parece que toda a discussão da energia limpa não é uma questão de opção. Não temos planeta B. Nossa ideia era fazer a nossa parte. As pessoas nos paravam na sinaleira para perguntar, dei entrevistas para vários meios de comunicação e ajudei uma startup de carregadores a testar a tecnologia.

No final, o App do carro me disse que economizamos nestes dois anos 383kg de CO2 na atmosfera se tivesse usado fontes não renováveis e mais de 2 toneladas se a fonte fosse renovável. Como no período em que utilizamos o carro, o governo precisou usar pouco as usinas de carvão, acho que fomos além de influenciar. Não vejo a hora de poder voltar.

Fonte: Medium